sábado, 19 de novembro de 2011

Qual o Motivo para a Evangelização?
por
J. I. Packer

Existem, de fato, duas razões que deveriam nos estimular permanentemente à evangelização. A primeira é o amor a Deus e a preocupação com a sua glória; a segunda, o amor ao homem e a preocupação com o seu bem-estar.

1. O primeiro motivo é primário e fundamental. A principal finalidade do homem é glorificar a Deus. O grande princípio de vida da Bíblia é: “fazei tudo para a glória de Deus”. [1] Os homens devem glorificar a Deus obedecendo a sua palavra e cumprindo a sua vontade revelada. Semelhantemente o primeiro e maior mandamento é : “Amarás o Senhor, teu Deus”. [2] Quando obedecemos aos seus mandamentos, estamos simplesmente demonstrando o nosso amor pelo Pai e pelo seu Filho, que nos amaram tão ricamente. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama;” disse o nosso Senhor. [3] “Porque este é o amor de Deus:”, escreveu João, “que guardemos os seus mandamentos”. [4] Agora, a evangelização é uma das atividades que tanto o Pai quanto o Filho nos mandaram cumprir. “E será (‘é necessário', de acordo com Marcos) pregado este evangelho do reino,” diz Cristo, “por todo o mundo, para testemunho a todas as nações”. [5] E, antes da sua ascensão, Cristo encarregou os seus discípulos usando os seguintes termos categóricos: “Ide,…, fazei discípulos de todas as nações …” A este mandamento ele imediatamente acrescentou uma promessa abrangente: “E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século”. [6] O alcance desta promessa nos mostra quão extenso é o campo de aplicação do mandamento ao qual ela está ligada. A frase “até à consumação do século” deixa claro que o “convosco”, a quem a promessa foi dada, não se referia só e exclusivamente aos onze discípulos; esta promessa se estende a toda a Igreja Cristã, por toda a história, toda a comunidade da qual os onze eram , por assim dizer, os membros fundadores. Trata-se, portanto, de uma promessa que vale para nós não menos do que para eles, e uma promessa que, além de tudo, é também um grande conforto. Mas se a promessa se aplica a nós, então a comissão com a qual está associada deve estender-se igualmente a nós. A promessa foi dada para encorajar os onze , para que não fossem esmagados pelas dimensões e dificuldades do trabalho de evangelização mundial de que Cristo os encarregara. Se recebemos o privilégio de nos apropriar da promessa, então é igualmente nossa responsabilidade aceitar a comissão. O trabalho confiado aos onze é a tarefa permanente da Igreja. E, se é a tarefa da Igreja em geral, então é a sua tarefa e a minha tarefa em particular. Se, portanto, nós amamos a Deus e estamos preocupados em glorificá-lo, devemos obedecer ao seu mandamento de evangelizar.
Há outro aspecto ainda que precisamos considerar neste pensamento. Glorificamos a Deus pela evangelização não somente porque a evangelização é um ato de obediência, mas também porque na evangelização contamos a todo o mundo quão grandes coisas Deus fez para a salvação dos pecadores. Sempre que as suas obras poderosas da graça se tornam conhecidas, Deus é glorificado. O salmista nos exorta: “proclamai a sua salvação, dia após dia. Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os povos, as suas maravilhas”. [7] Para um cristão, falar aos incrédulos sobre o Senhor Jesus Cristo e do seu poder salvador significa por si só, honrar e glorificar a Deus.

2. O segundo motivo que deveria nos predispor a uma evangelização assídua é o amor ao nosso próximo e o desejo de ver os outros seres humanos salvos. O desejo de ganhar os perdidos para Cristo deveria ser, e de fato é, a natural e espontânea decorrência do amor que está no coração de todos aqueles que já nasceram de novo. Nosso Senhor confirma a exigência, presente no Antigo Testamento, de amarmos ao nosso próximo, como a nós mesmos. [8] “Por isso, enquanto tivermos a oportunidade,” escreve Paulo, “façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé”. [9] Que maior necessidade pode ter o ser humano do que a necessidade de conhecer a Cristo? Que bem maior podemos fazer a qualquer ser humano do que lhe expor o conhecimento de Cristo? À medida em que realmente amamos ao nosso próximo como a nós mesmos, necessariamente desejaremos que ele desfrute da salvação que é tão preciosa para nós. Na verdade, isso não deveria ser algo em que deveríamos pensar, quanto mais discutir. O impulso para evangelizar deveria brotar espontaneamente em nós na medida em que reconhecemos a necessidade que o nosso próximo tem de Cristo.
Quem é o meu próximo? Quando o intérprete da lei, que se viu confrontado com a exigência do amor ao seu próximo, fez esta mesma indagação ao nosso Senhor, Jesus respondeu narrando a história do Bom Samaritano. [10] O que esta história ensina é simplesmente isto: todo ser humano que você encontrar e que esteja necessitado, é o seu próximo; Deus o colocou no seu caminho para que você possa ajudá-lo e o seu negócio é revelar-se como sendo o próximo dele, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para suprir a necessidade dele, não importa qual seja. “Vai e procede tu de igual modo”, disse o nosso Senhor ao intérprete da lei. E ele nos diz o mesmo. E o princípio se aplica a todas as formas de necessidade, tanto espirituais quanto materiais. De modo que, quando nos achamos em contato com homens e mulheres que estão sem Cristo e, assim encaram a morte espiritual, devemos considerá-los como nossos próximos, e perguntar-nos o que podemos fazer para tornar Cristo conhecido deles.
Devo enfatizar mais uma vez: se nós mesmos conhecemos algo do amor de Cristo por nós, e se sentimos um pouquinho de gratidão nos nossos corações pela graça que nos salvou da morte e do inferno, então esta atitude de compaixão e cuidado por nossos semelhantes espiritualmente necessitados deveria fluir de modo natural e espontâneo de dentro de nós. Foi em relação a uma evangelização agressiva que Paulo declarou que “o amor de Cristo nos constrange” [11]. É uma coisa trágica e repulsiva quando os cristãos perdem o desejo, e tornam-se verdadeiramente relutantes, de compartilhar o conhecimento precioso que têm com os outros cuja necessidade é tão grande quanto a sua própria. Foi natural para André, depois de ter-se encontrado com o Messias, partir e falar ao seu irmão Simão, e a Filipe que correu levar as boas novas ao seu amigo Natanael. [12] Ninguém precisou dizer-lhes para fazer isso; eles o fizeram de forma natural e espontânea, da mesma forma como natural e espontânea uma pessoa compartilharia com a sua família e amigos qualquer outra novidade que a tivesse afetado fortemente. Existe algo de muito errado conosco se não consideramos natural nós mesmos agirmos desta maneira. É bom que tenhamos clareza sobre isso. Evangelizar é um grande privilégio; é uma coisa maravilhosa estar em condições de falar aos outros sobre o amor de Cristo, estando cientes de que não há nada de que eles necessitam saber mais urgentemente, e não há nenhum conhecimento no mundo que possa lhes fazer um bem tão grande. Não temos, portanto, porque ser relutantes e tímidos na evangelização pessoal e individual. Pois deveríamos ficar felizes e contentes em fazê-lo. Não deveríamos buscar desculpas para fugir da nossa obrigação, quando se nos oferece uma oportunidade de conversar com os outros sobre o Senhor Jesus Cristo. Se nós nos pegamos fugindo desta responsabilidade e tentando evitá-la, temos que nos deparar com o fato de que, com isso, estamos cedendo ao pecado e a Satanás. Se (como acontece usualmente) é o medo de ser considerado anormal e ridículo, ou de perder a popularidade em certas rodas de amigos, que nos impede, é preciso que nos perguntemos, diante de Deus: Estas coisas devem nos impedir de amar ao nosso próximo? Se for uma falsa vergonha, que na verdade não é vergonha nenhuma, e sim orgulho mascarado, que impede a nossa língua de dar o testemunho cristão quando estamos com outras pessoas, precisamos fazer esta pergunta à nossa própria consciência: O que nos importa mais, afinal – a nossa reputação ou a salvação deles? Não podemos ser complacentes com essa gangrena de vaidade e covardia quando sondamos assim as nossas vidas na presença de Deus. O que precisamos fazer é solicitar a graça para que possamos transbordar de tal forma do amor de Deus, que transbordemos de amor pelo nosso próximo e, dessa forma, achemos fácil, natural e prazeroso compartilhar com ele as boas novas de Cristo.
Espero, a esta altura, que esteja ficando claro para nós, como deveríamos considerar nossa responsabilidade evangelística. A evangelização não é a única tarefa que o Senhor nos deu, nem tão pouco é uma tarefa que todos são chamados a cumprir do mesmo modo. Não somos todos chamados para ser pregadores; não são dadas a todos as mesmas oportunidades ou habilidades comparáveis para lidar pessoalmente com homens e mulheres que necessitam de Cristo. Mas todos nós temos o mesmo dever de evangelizar, do qual não temos como fugir sem ao mesmo tempo com isso deixar de amar a Deus e a nosso próximo. Para começar, todos nós podemos e devemos estar orando pela salvação de pessoas não convertidas, particularmente da nossa família, e entre os nossos amigos e colegas do dia a dia. Além do mais, precisamos aprender a reconhecer as oportunidades de evangelização que as nossas condições cotidianas oferecem, e sermos ousados no aproveitamento delas. O ser ousado faz parte da natureza do amor. Se você ama alguém, fica constantemente pensando na melhor coisa que pode fazer pela pessoa e como pode melhor agradá-la com tudo o que você planeja para ela. Se, no caso, amamos a Deus – Pai, Filho e Espírito – por tudo o que eles fizeram por nós, devemos reunir toda a nossa capacidade de iniciativa e empreendimento para extrair o máximo de proveito que pudermos de cada situação para a sua glória – e a principal maneira de fazer isso é de descobrir formas e meios de disseminar o evangelho, obedecendo ao mandamento divino de fazer discípulos por todos os lugares. Similarmente, se amamos nosso próximo, reuniremos toda a nossa capacidade de iniciativa em empreendimento para encontrar formas e meio de lhe fazer bem. E a principal maneira de lhe fazer algo de bom é compartilhar com ele o nosso conhecimento de Cristo. Assim, se amamos a Deus e ao nosso próximo, evangelizaremos e seremos ousados em nossa evangelização. Não nos perguntaremos com relutância quanto devemos fazer neste campo, como se evangelizar fosse uma tarefa desagradável e pesada. Não perguntaremos ansiosamente qual o mínimo de esforço que devemos fazer, em termos de evangelização, que agradará a Deus. Mas perguntaremos avidamente e com toda sinceridade pediremos para que ele nos mostre quanto podemos fazer para disseminar o conhecimento de Cristo entre os homens, nos entregaremos de todo o coração a esta tarefa.
Há, contudo, mais um aspecto que necessita ser acrescentado a isso, para evitar que o que dissemos até aqui seja mal aplicado. Não podemos jamais esquecer que o espírito empreendedor que se exige da nossa parte na evangelização, refere-se ao empreendimento do amor: um empreendimento que emana de um interesse genuíno por todos aqueles que buscamos conquistar e de um cuidado autêntico pelo seu bem-estar, que se expressa em um respeito genuíno por eles e em uma amizade genuína. Algumas vezes encontramos um zelo caça escalpos na evangelização, tanto no púlpito quanto em nível pessoal, que acaba se tornando vergonhoso e até alarmante. É vergonhoso pelo fato de não estar refletindo amor e cuidado, nem o desejo de ajudar, mas antes arrogância, presunção e o prazer de exercer poder sobre a vida dos outros. É alarmante, porque acaba se expressando em um brutal esmurrar psicológico da pobre vítima, capaz de causar enormes danos às almas sensíveis e impressionáveis. Mas, se o amor inspira e regula o nosso trabalho evangelístico, nos aproximaremos das outras pessoas com um espírito diferente. Se nos preocupamos verdadeiramente com elas, e se o nosso coração verdadeiramente ama e teme a Deus, então procuraremos apresentar Cristo a elas de uma forma que seja, ao mesmo tempo, honrosa a ele e respeitosa a elas. Não devemos tentar violentar a personalidade de ninguém, ou explorar os seus pontos fracos, ou tratar com dureza seus sentimentos. O que, sim, tentaremos fazer é mostrar-lhes a realidade da nossa amizade e preocupação, compartilhando com elas o bem mais precioso que temos. Este espírito de amizade e preocupação acabará transparecendo em tudo o que nós lhes dissermos, quer seja do púlpito quer em particular, não importa quão drásticas e avassaladoras possam ser as verdades que nós lhes estivermos dizendo.
Há um livro clássico sobre evangelização pessoal de C. G. Trumbull , intitulado Taking Men Alive (Capturando os Homens Vivos). No terceiro capítulo deste livro, o autor nos conta a respeito de uma regra que o seu pai, H. C. Trumbull estabeleceu para si mesmo, nesta matéria. Ele dizia o seguinte: “Toda vez que eu tenho oportunidade de eleger o assunto da conversa com outra pessoa, o tema dos temas (Cristo) terá um destaque especial no nosso meio, de modo que eu possa identificar qual a sua necessidade e, se possível, satisfazê-la.” As palavras chaves aqui são: “ Toda vez que eu tenho oportunidade de eleger o assunto da conversa com outra pessoa ”. Elas nos lembram, primeiro, que tanto na evangelização pessoal quanto em todas as nossas relações com nossos semelhantes, devemos ser educados; e nos lembram, em segundo lugar, que a evangelização pessoal normalmente deve ser baseada na amizade . Normalmente você só terá o privilégio de escolher o assunto de conversação com o outro, depois que já tiver dado a si mesmo em amizade e estabelecido um relacionamento com ele, no qual ele sente que você o respeita, está interessado nele e o trata como um ser humano e não só como algum “caso”. Com algumas pessoas, é possível que você estabeleça um relacionamento como este em cinco minutos, enquanto que com outras isso pode levar meses. Mas o princípio permanece o mesmo. O privilégio de falar de uma forma íntima com outra pessoa sobre o Senhor Jesus Cristo tem que ser conquistado, e você o conquista convencendo-o de que você é seu amigo e de fato se preocupa com ele. Por isso a conversa longa indiscriminada, a intromissão sem ser chamado na privacidade da alma de outras pessoas, a insistência insensível ou exposição das coisas de Deus a estranhos relutantes que estão mais desejosos de ir embora – este tipo de comportamento em que as personalidades fortes e loquazes têm muitas vezes recaído em nome da evangelização pessoal , deveria ser descartado como uma caricatura de evangelização pessoal. Poderíamos chamar isso mais apropriadamente de evangelização impessoal! Na verdade, a brutalidade deste tipo de comportamento desonra a Deus; mais ainda, ele gera um ressentimento e predispõe a pessoa contra o Cristo , cujos professos seguidores agem de forma tão condenável. A verdade é que a verdadeira evangelização pessoal é muito custosa, porque ela exige de nós um relacionamento realmente pessoal com as outras pessoas. Nós temos que nos oferecer a nós mesmos em amizade honesta às pessoas, se quisermos que, algum dia, o nosso relacionamento com eles alcance o ponto em que tenhamos o privilégio de escolher o assunto e falar-lhes de Cristo, e podermos falar-lhes sobre as suas próprias necessidades espirituais, sem sermos nem mal-educados nem ofensivos. Se você deseja praticar evangelização pessoal, então – e eu espero que você o faça – você deve orar pelo dom da amizade. Uma amizade genuína, em todos os casos, é a marca registrada daquele tipo de pessoa que está aprendendo a amar ao próximo como a si mesmo.

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